BREVE GUIA DE SOBREVIVÊNCIA DOCENTE
Importante: leia o texto até o fim, sobretudo o item 7, antes de qualquer providência. Ele partiu de minha experiência prática e comigo tem dado certo. Isso não garante que dê certo sempre, por isso adapte à sua realidade e personalidade. Sobretudo, reflita sobre as razões históricas apontadas no começo do texto! Boa sorte. Atalho deste texto: bit.ly/sobrevidadocente
Diariamente nós professores nos sujeitamos a situações complicadas e perigosas. Devemos saber que nem sempre foi assim. Aprofundando a História da Educação no Brasil é possível verificar que tínhamos direitos semelhantes a membros do Poder Judiciário. Mas, ao longo do tempo, fomos abrindo mão gradual desses direitos, sem nos darmos conta. Tudo em nome de um suposto "sacerdócio" da profissão (professor é um missionário, por isso deve se contentar-se com situações diversas) e de uma pseudo maternidade transferida para a profissão (professor é tio/tia, irmão/irmã da mãe e, por isso, membro da família, não mais um profissional da Educação).
As consequências foram fatais:
1) Por parte do Poder Público somos vistos como alguém que aceita tudo, que não questiona e não se mobiliza enquanto categoria; como somos "incapazes" (segundo resultados das provas institucionais) precisamos seguir uma "bíblia", um guia criado pelos tecnicamente capazes (seguindo à risca esses manuais, poderemos ser recompensados por gratificações monetárias); como somos sacerdotes e membros das famílias dos alunos (somos tios e tias) não podemos adoecer e não podemos ter família (ao menos, nossos familiares também não podem adoecer), temos que sempre estar trabalhando (se o fizermos, as chances de recebermos recompensas monetárias aumentam).
2) Por parte de grande número das Famílias dos alunos somos vistos como alguém que deva fazer tudo o que as famílias outrora faziam e agora não mais o fazem (salvo exceções). Ou seja, a família terceirizou a nós (sem a devida remuneração que nos caberia) seu papel educativo, ficando apenas com o papel reprodutivo (claro que existem exceções, não podemos generalizar).
3) Por parte da grande imprensa comercial (fiel escudeira e sustentadora do pensamento de quem detém o poder na sociedade) somos vistos como aqueles que devem apenas cumprir deveres, apenas cuidar da prole alheia. E ai de nós se um membro dessa prole vem a falecer em nossas mãos: somos bandidos e cruéis assassinos de crianças! Ai de nós se ficamos doentes ou nos acidentamos e não pudermos mais cuidar da prole terceirizada: somos incapazes e desqualificados, devemos ser remunerados e gratificados apenas se formos capazes de cumprir com o papel cobrado de nós (ignorando as condições reais de trabalho). Para essa imprensa, é "normal" o aluno encostar a mão no professor (para agredir ou constranger) , mas o professor encostar a mão no aluno (para separar uma briga ou mesmo fazer um afago na cabeça em sinal de amizade, como nossas mães sempre fizeram), é violento ou pedófilo.
A partir de tudo isso, decidi redigir um breve manual de sobrevivência. São atitudes práticas e simples, que podem valer nossa sobrevivência, quer enquanto Educador, quer enquanto ser humano (pois até isso, o ser humano, tentam roubar de nós). Vão ai algumas dicas:
1) Somos Educadores, profissionais da Educação encarregados de educar o ser humano. Não somos médicos (para receber doentes), nem assistentes sociais (para resolver problemas das famílias), nem meros "olhadores" (para apenas olhar a prole alheia, sem dar intervenção pedagógica - tem famílias que não aceitam quando o professor corrige seu filho), muito menos policiais (para separar brigas). Portanto, somos responsáveis somente pelo desenvolvimento cognitivo, corporal e social de nossos alunos. Não permitamos que problemas externos invadam nossas aulas, nem esvaziem nossa função docente! Tente pedir para que um médico ou um advogado faça alguma função que não seja de sua profissão... não farão! Por que nós fazemos?!? (não quero dizer que não devamos ter um olhar humano sobre nossos alunos, acolhendo seu universo e sua vivência; só quero dizer que não devemos nos influenciar e esvaziarmos de nossa função!!!!)
2) Nós fazemos compras na classe, arrumamos a casa e cuidamos de nossas famílias na classe? Então por que levamos coisas da escola para fazermos em casa?!? Essa clareza de definição de lugares e funções é essencial para nossa sanidade mental. Somos (ou estamos) professores dentro de nosso local de trabalho; em outros locais somos e estamos de acordo com o que estivermos fazendo. Em alguns sistemas de ensino, como na Prefeitura de São Paulo, os professores são remunerados por três aulas semanais para elaborar suas aulas em local de livre escolha. E eu escolhi ler um livro que possa ser usado em sala de aula, assistir um filme ou peça teatral com a mesma finalidade, ou mesmo cumprir essas horas na escola, antecedendo meu horário de trabalho e tentado barrar problemas externos às aulas já na porta da escola através de um franco diálogo com os alunos que vão chegando e apresentando seus problemas. Mas cada um fica livre para usar essas horas, sem invadir sua privacidade e de sua família!
3) Não somos estátuas, nem sacos vazios; temos uma alma. Independente de crenças ou descrenças, devemos ter uma espiritualidade para nos deixar firmes quando os problemas tentarem nos derrubar. Essa espiritualidade pode ser fortalecida por leituras, músicas, relaxamento, passeios ou mesmo com uma conversa gostosa com os amigos. Não se iluda, sem cultivar esse lado místico você ou cai no buraco (e arrasta junto quem está por perto, sua família) ou você se enfia em coisas piores. Não permita que roubem sua alma, sua personalidade, sua liberdade, sua privacidade!
4) Já reparou como vários alunos entram na classe com celulares (por mais proibidos que sejam)? Alguns podem usar para gravar nossa aulas (mesmo que não percebemos, eles podem fazer isso apenas por fazer, mas também para criar embaraços a nós). Antecipe-se e deixe claro que todos os envolvidos na aula têm direito a privacidade e nenhuma imagem de ninguém poderá ser publicada em nenhum lugar (pode ser apenas para álbum pessoal de recordação). Essa conversa de uso da imagem cai por terra em nossa sociedade informatizada, pois em todos os locais públicos estamos sendo filmados. O que não se pode é divulgar e publicar essas imagens. Por isso, caso você sentir-se ameaçado por alguém GRAVE SUAS AULAS SIM, COMO RECURSO DE LEGITIMA DEFESA. Você só não pode dar publicidade a essas gravações jamais; elas servirão para que você se defenda se alguém te acusar de algo que não fez, são de seu arquivo pessoal e intransferível (da mesma forma que imagens captadas por alunos: são do arquivo pessoal deles e não poderão ser divulgadas jamais).
5) Em nenhuma circunstância toque em alunos, mesmo para separar brigas, pois suas digitais ficarão neles e isso pode te comprometer em um exame de corpo delito ou mesmo em um depoimento forjado no qual você poderá ser incriminado por causar ferimentos no ato de segurar em alguém (o aluno tentará se libertar de você e se ferirá em seu relógio de pulso, por exemplo). Abra a porta da classe busque por socorro. Oriente para que outros alunos não tentem separar, pois quanto mais gente no tumulto, pior fica. Nunca tente resolver uma situação agressiva no momento, deixe que tudo se acalme para depois chamar as partes envolvidas. IMPORTANTE: FAÇA UM RELATÓRIO ESCRITO DE TUDO, isso poderá te ajudar futuramente.
6) Se for agredido ou ameaçado em seu local e momento de trabalho não tenha dúvida: registre um boletim de ocorrência no distrito policial mais próximo. Se alguém te acusar de ter posto a mão em algum aluno, peça exame de corpo delito e deixe claro que você poderá reverter a situação processando a pessoa por calúnia e difamação se nada ficar provado contra você. NÃO PERCA TEMPO COM DISCUSSÕES, AJA IMEDIATAMENTE!
7) A mais importante: por mais complicada que seja a comunidade atendida pela escola, tente aproximar-se dela. Esta dica é vital e poderá evitar que você tenha que tomar as atitudes postas no item anterior. Se a comunidade sentir você a seu lado, grande parte de seus problemas em classe desaparecerão. Mas a atitude deve partir não somente de você, mas de um grupo de professores. Muitas vezes estar na porta da escola e cumprimentar serenamente uma mãe ou mesmo um aluno pode desmontar todo um esquema de violência simbólica que esteja se formando no lugar. Não tenha dúvida, eu coloquei isso em prática muitas vezes, com resultados satisfatórios (é se antecipar e não permitir que problemas externos invadam sua aula).
Enfim, nossa profissão também tem coisas belas. Tente descobri-las, peça ajuda a alguém nesse sentido. Mesmo naquele aluno mais complicado pode-se descobrir coisas belas e trabalhar com elas. É uma questão de tempo.
Abraços fraternais.
João Cesar.
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